O coveiro anda pela meia-idade. É magro, baixote e dispõe de uns braços esguios mas possantes onde veias grossas sobressaem como serpentes abraçadas a troncos de árvore. Os olhos são amarelados como a luz do sol quando se põe, e da boca sem segredos destaca-se uma arcada de dentes escuros como fuligem. Na aldeia chamam-lhe O Peçonha, mas se lhe chamassem O Abutre melhor andavam, tal o prazer que tem em esperar o tempo necessário.
Apesar de abstémio, dá-lhe às vezes para entrar na tasca da aldeia. Fá-lo mansamente, como quem vai por nada e planta-se ao pé das mesas e fica a olhar os velhos que ali queimam os últimos anos à volta de uma mesa de sueca. E vai ficando. Sorri com os dentes negros a contrastar com a chama dos olhos amarelados, enquanto conta mentalmente as cartas saídas.
— Mal jogado!
Um velho irrita-se, pergunta-lhe com maus modos:
— Queres-te sentar?!...
— O meu negócio não é esse.
— Então, vai pentear macacos.
— É?!
— É!
Já deixou os velhos zangados. Mas, antes de sair sabe como dar o xeque-mate:
— Oh, tiinho, já viu mais estes?... — Levanta ligeiramente o fundo das pernas das calças, puxando-as com ambas as mãos até bem acima dos tornozelos. Os sapatos, reluzentes, ficam à mostra dos que pararam de jogar para o olharem.
— Novinhos, novinhos, sem gastar um tostãozinho! Um dia destes, calço os melhores que você tem…