terça-feira, 26 de abril de 2011

A vida

O telefone tocou. Mina levantou o auscultador e nem teve tempo para falar.
— Mina?!
— Sou.
— É o pai.
— Oh, pai...
— Olha...
— Diga.
— Queremos saber se vens ao Natal.
— Não posso!
— A tua mãe perguntou. Pode ser o último.
Morena, rosto bonito e corpinho bem feito, apesar de rondar os quarenta, Mina tinha outros compromissos. Há muitos anos que lhe não faltavam compromissos de ocasião pelos quais se fazia pagar bem. A vida exigia-lhe roupas caras, boas jóias, sapatos de pele natural. Naquele Natal recebera convite para ir a Paris. De um velho conhecido. Rico.
— Não posso, pai, o dinheiro é pouco.
— Oh, rapariga, tanto te esforças e não tens sorte nenhuma...
— Um dia destes vou, fico uns dias...
— Mina, mas o Natal é o Natal.
— Você sabe que não ligo nada. Um dia igual aos outros.
O velho ficou calado por uns segundos. Há mais de dez anos que a filha única se fora e jamais voltara. A mulher chorava todos os dias com saudades, ele não o fazia por vergonha.
— Mina?
— Sim, pai.
— Podias vir... Nós os três juntos...
— Não posso, pai. O dinheiro não dá para ir.
Um silêncio, e de novo a voz do velho:
— Olha, temos a reforma, podemos ajudar-te a pagar a viagem...
— Oh, pai, não posso mesmo...
Pensava nas luzes das avenidas de Paris, nos restaurantes de luxo, naquele hotel com vista para o Sena, nas lojas de roupas a transpirar moda.
— Pai, no próximo ano avise-me com tempo.